sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Covardia

Quando cheguei a Shang Simla notei as diferenças óbvias das cidades que visitei durante a última semana. A temperatura era amena, as cores não eram tão quentes, embora fossem tão vibrantes e intensas quanto Al Simhara e Monte Vista. Principalmente por causa do sol descendo no horizonte. Aproximar-me da Cidade Proibida me deu um frio na barriga. Contudo eu iria primeiro até a casa do meu Mestre, ele estava me esperando. Trocamos alguns emails nos últimos meses, contei sobre os treinos e recebi mais ensinamentos. Avisei da minha vinda, ainda no aeroporto de Monte Vista, ele se ofereceu para me hospedar e continuar meu treinamento.

Sua casa ficava do lado leste das muralhas. Ao longo de minha curta estadia na Páscoa, não cheguei a conhecer seu lar. Ao me deparar com a fachada, não tive dúvidas, só um poeta poderia viver em um lugar assim. Subi os degraus de sua pequena varanda e me deparei com um ofurô ocupando praticamente todo o espaço do jardim interno, logo atrás notei um espaço coberto com dois acessos sem portas. Ele estava treinando ali, em seu tatame, e era perfeito para a prática das artes marciais.

Não toquei a campainha. Dirigi-me até o tatame, tirei meus sapatos e sentei no chão, esperando terminar uma de suas séries de golpes, muito usada em nossos treinamentos. Quando finalmente terminou, ele me cumprimentou primeiro inclinando a cabeça como um Mestre saúda seu discípulo e por fim me abraçou como um grande amigo saudoso. Instalou-me em um grande quarto e me deixou a vontade para escolher entre um banho, um jantar ou simplesmente apagar até o dia seguinte.

Segui sua lista na ordem. Durante o jantar falamos apenas das minhas aventuras no Egito e Itália. Percebi sua crescente curiosidade sobre a Eva. Shang questionou o quanto eu estava envolvido com ela. Percebi seu lado protetor em relação à prima, por outro lado eu não mentiria para ele ou mesmo para Mei. Contei tudo sobre o nosso relacionamento, enfatizando que só me deixo levar pelas investidas de minha amiga por estar vivendo sozinho. Não escondi quanto amor eu sinto por aquela doidivanas, muito menos o desejo e o carinho. Expliquei; mesmo tendo tudo isso entre nós, sabemos o quão distantes estamos de ser um bom par.

Depois de nossa conversa esclarecedora, passamos os dias seguintes treinando para o circuito no próximo ano. Shang era metódico em seu treinamento, primeiro fazíamos um pouco de Tai Chi Chuan para acelerar o processo de concentração. A princípio mostrava todas as sutilezas dos movimentos de luta, passo a passo e repetíamos tudo lentamente. Seja qual fosse o golpe que deveria acertar o adversário imaginário, ele me fazia sustentar por alguns minutos, me alinhando, mostrando quais músculos firmar, estimulando meu equilíbrio. Era quase como uma aula de yoga. Só então repetíamos todos os golpes, várias vezes.

À tarde repetíamos as sessões de Tai Chi e passávamos lutando. Para minha surpresa, ele já não repelia todos os meus ataques. Meu Mestre parecia orgulhoso do meu aprendizado rápido, embora eu ainda não conseguisse rendê-lo por completo. De qualquer estava confiante de estar mais próximo de conquistar meu objetivo. Os poucos dias a restarem das minhas férias estavam passando em um piscar de olhos. Minha determinação em procurá-la enfraqueceu, sentia-me um covarde. Embora soubesse que estava bem, através do Shang.

Na véspera de minha volta para casa, treinamos o dia todo, sem trégua. Novos movimentos me foram ensinados e os repetimos a exaustão, contudo, meu Mestre finalizou seus ensinamentos uma hora mais cedo. A princípio não compreendi nada, ele me mandou tomar meu banho antes que o sol se escondesse e fez o mesmo. Ainda no chuveiro lembrei-me, minha última noite na China, era uma sexta-feira, noite de meditação e vigília. Quando saí do banheiro, algumas pessoas já haviam chegado e entraram sem qualquer cerimônia, acomodando-se no tatame, da sala de lutas. Seria minha primeira oportunidade para meditar com um grupo tão grande... Contudo estava ainda mais apreensivo por saber quem viria.

Antes de me acomodar com o grupo, fui até a cozinha beber um suco e comer um sanduíche. Iria passar a noite em meditação, por isso precisava preencher o vazio em meu estômago. Quando cheguei, os dois primos estavam sentados conversando, Mei parecia tão apreensiva a me encontrar, quanto eu. Não consegui me mexer, meus olhos congelaram nela, meu corpo travou e meu coração disparou, suava frio em minha nuca e mãos. Seus olhos verdes estavam fixos em mim e brilharam, estavam marejados e uma lágrima descia furtiva sobre a sua face. Eu não me lembrava de nenhuma palavra em mandarim... Falei no meu idioma: senti tanto a tua falta!


6 comentários:

  1. Eu te entendo já que ela recusou seu pedido, mas iria embora sem procura-la? =\ Se bem que ela teria que tomar alguma atitude também já que provavelmente ela sabia que você estava na casa do primo. É dificil até pra quem está de fora dar uma opinião, mas espero mesmo se entendam.


    ;*

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    1. Na realidade eu sabia que teria meditação sexta, mas estava tão envolvido com as práticas e meu orgulho... Acabei deixando para ela a decisão de falar comigo ou não. Obrigado!

      Un câlin

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  2. Inevitável, não? Afinal você queria saber como ela estava... Melhor saber diretamente dela.

    Bjus molhados

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    1. Sim, era necessário... Só conseguiria colocar uma pedra sobre assunto, olho no olho.

      Besos calientes

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  3. Depois que ela recusou seu pedido, deve ter sido mesmo difícil pra vc ir procurá-la... Nem sei o que pensar do fato dela tb não ter te procurado, com certeza ela sabia que vc estava lá. Torço para que consigam se acertar, seja lá o que fique definido.

    Beijoooos

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    1. Tinha que engolir meu orgulho! E é tudo o que tenho realmente. Bem, quanto ao acerto... Vamos ver mais adiante. Obrigado!

      Un câlin

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